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Capitulo 11

Quem escreveu a Bíblia?

A história de Deus foi escrita pelos homens. Mas quem é o autor do livro mais influente de todos os tempos ? As respostas são surpreendentes - e vão mudar sua maneira de ver as Escrituras.
 
 
Em algum lugar do Oriente Médio, por volta do século 10 a.C., uma pessoa decidiu escrever um livro. Pegou uma pena, nanquim e folhas de papiro (uma planta importada do Egito) e começou a contar uma história mágica, uma história que envolvia muitas lendas, mitos, fatores climáticos, diferente de tudo o que já havia sido escrito. Era tão forte, mas tão forte, que virou uma obsessão.

 
Durante os 1000 Anos seguintes, outras pessoas continuariam reescrevendo, rasurando e compilando aquele texto, que viria a se tornar o maior best seller de todos os tempos - a Bíblia. 
 
Ela apresentou uma teoria para o surgimento do homem, trouxe os fundamentos do judaísmo e do cristianismo, influenciou o surgimento do islã, mudou a história da arte - sem a Bíblia, não existiriam os afrescos de Michelangelo nem os quadros de Leonardo da Vinci - e nos legou noções básicas da vida moderna, como os direitos humanos e o livre-arbítrio. Mas quem escreveu, afinal, o livro mais importante que a humanidade já viu? Quem eram e o que pensavam essas pessoas? Como criaram o enredo, e quem ditou a voz e o estilo de Deus? O que está na Bíblia deve ser levado ao pé da letra, o que até hoje provoca conflitos armados?
 

 
A resposta tradicional você já conhece: segundo a tradição judaico-cristã, o autor da Bíblia é o próprio Todo Poderoso. E ponto final. Mas a verdade é um pouco mais complexa que isso.
A Própria Igreja admite que a revelação divina só veio até nós por meio de mãos humanas. A palavra do Senhor é sagrada, mas foi escrita por reles mortais. Como não sobraram vestígios nem evidências concretas da maioria deles, a chave para encontrá-los está na própria Bíblia.
 
Mas ela não é um simples livro: Imagine as escrituras como uma biblioteca inteira, que guarda textos montados pelo tempo, pela história e pela fé. Aliás, o termo "Bíblia", que usamos no singular, vem do plural grego ta biblia ta hagia - "os livros sagrados". A tradição religiosa sempre sustentou que cada livro bíblico foi escrito por um autor claramente identificável. Os cinco primeiros livros do Antigo Testamento (que no judaísmo se chamam Torá e no catolicismo Pentateuco) teriam sido escritos pelo profeta Moisés por volta de 1200 a.C.
 

 
Os Salmos seriam obra do rei Davi, o autor de Juízes seria o profeta Samuel, e assim por diante. Hoje a maioria dos estudiosos acredita que os livros sagrados foram um trabalho coletivo. E há uma boa explicação para isso.
 
As histórias da Bíblia, derivam de lendas surgidas na chamada Terra de Canaã, que hoje corresponde a Líbano, Palestina, Israel e pedaços da Jordânia, do Egito e da Síria. Durante séculos acreditou-se que Canaã fora dominada pelos hebreus. Mas descobertas recentes da arqueologia revelam que, na maior parte do tempo, Canaã não foi um Estado, mas uma terra sem fronteiras habitada por diversos povos - os hebreus eram apenas uma entre muitas tribos que andavam por ali. Por isso, sua cultura e seus escritos foram fortemente influenciadas por vizinhos como os cananeus, que viviam ali desde o ano 5.000 a.C. E eles não foram os únicos a influenciar as histórias do livro sagrado.
As raízes da árvore bíblica remontam aos sumérios, antigos habitantes do atual Iraque, que no 3º milênio a.C. escreveram a Epopéia de Gilgamesh. Essa história, protagonizada por Gilgamesh, menciona uma enchente que devasta o mundo (e das qual algumas pessoas se salvam construindo um barco).
 

 
Notou semelhanças com a Bíblia e seus textos sobre o dilúvio, a arca de Noé, o fato de Cristo ser humano e divino ao mesmo tempo? Não é mera coincidência. "A Bíblia era uma obra aberta, com influência de muitas culturas".
 
Foi entre os séculos 10 e 9 a.C. que os escritores hebreus começaram a colocar essa sopa multicultural no papel. Isso aconteceu após o reinado de Davi, que teria unificado as tribos hebraicas num pequeno e frágil reino por volta do ano 1000 a.C. A primeira versão das Escrituras foi redigida na época e corresponde a maior parte do que hoje são o Gênesis e o Êxodo. Nesses livros, o tema principal é a relação passional (e ás vezes conflituosas) entre Deus e os homens. Só que, logo no começo da Biblia, já existiu uma divergência sobre o papel do homem e do Senhor na história toda. Isso porque o personagem principal, Deus, é tratado por dois nomes diferentes.
 
Em alguns trechos ele é chamado pelo nome próprio, Yahweh - traduzido em português como Javé o Jeová. É um tratamento informal, como se o autor fosse íntimo de Deus. Em outros pontos, o Todo-Poderoso é chama de Elohim, um título respeitoso e distante (que pode ser traduzido simplesmente como "Deus"). Como se explica isso?
 

 
Para os fundamentalistas, não tem conversa: Moisés escreveu tudo sozinho e usou dois nomes simplesmente porque quis. Só que um trecho desse texto narra a morte do próprio Moisés. Isso indica que ele não é o único autor. Os historiadores e a maioria dos religiosos aceitam outra teoria: esses textos tiveram pelo menos outros dois editores.
 
Acredita-se que os trechos que falam de Javé sejam os mais antigos, escritos numa época em que a religiosidade era menos formal. Eles contêm uma passagem reveladora: antes da criação do mundo, "Yahweh não derramara chuva sobre a terra, e nem havia o homem para lavrar o solo", indica que, na primeira versão da Bíblia, o homem não era apenas mais uma criação de Deus - ele desempenha um papel ativo e fundamental na história toda. "Nesse relato, o homem é co-criador do mundo".
 
Pelo nome que usa para se referir a Deus (Javé), o autor desses trechos foi apelidado de Javista. Já o outro autor, que teria vivido por volta de 850 a.C., é apelidado de Eloísta. Mais sisudo e religioso, ele compôs uma narrativa bastante diferente. Ao contrário do Deus-Javé, que fez o mundo num único dia, o Deus-Elohim levou 6 (e descansou no 7º). Nessa história, a criação é um ato exclusivo de Deus, e o homem surge apenas no 6º dia, junto aos animais.
 
Tempos mais tarde, os dois relatos foram misturados por editores anônimos - e a narrativa do Eloísta, mais comportada, foi parar no início das escrituras. Começando por aquela frase incrivelmente simples e poderosa, notória até entre quem nunca leu a Bíblia: "E, no início, Deus criou o céu e a terra..."
 
Em 589 a.C., Jerusalém foi arrasada pelo babilônios, e grande parte da população foi aprisionada e levada para o atual Iraque. Décadas depois, os hebreus foram libertados por Ciro, senhor do Império Persa - um conquistador "esclarecido", que tinha tolerância religiosa. Aos poucos, os hebreus retornaram a Canaã - mas com sua fé transformada. Agora o sacerdotes judaícos rejeitavam o politeísmo e diziam que Javé era o único e absoluto Deus do Universo.
 

 
"O monoteísmo pode ter surgido pelo contato com os persas - a religião deles, o masdeísmo, pregava a existência de um Deus bondoso, Ahura Mazda, em constante combate com um Deus maligno, Arimã. Essa noção se reflete até na idéia cristã de um combate entre Deus e o Diabo".
 
          
 
Ahura e Arimã são basicamente o reflexo de Enki e Enlil, um criou e lutou pelos homens e o outro os quis destruir. Veja que não mão de Ahura está um objeto de oração parecido com o Terço.
 
A versão final do Pentateuco surgiu por volta de 389 a.C. Nessa época, um religioso chamado Esdras liderou um grupo de sacerdotes que mudaram radicalmente o judaísmo - a começar por suas escrituras. eles editaram os livros anteriores e escreveram a maior parte dos livros Deuteronômio, Números, Levítico e também um dos pontos altos da Bíblia: Os 10 Mandamentos.
 

 
Além de afirmar o monoteísmo sem sombra de dúvidas ("Amarás a Deus acima de todas as coisas" é o primeiro mandamento), a reforma conduzida por Esdras impunha leis religiosas bem rígidas, como a proibição de casamento entre hebreus e não hebreus. Algumas das leis encontradas no Levítico se assemelham à ética moderna dos direitos humanos: se um estrangeiro vier morar convosco, não o maltrates. Ama-o como se fosse um de vós".
 
Outras passagens, no entanto, descrevem um Senhor belicoso, vingativo e sanguinário, que ordena o extermínio de cidades inteiras - mulheres e crianças incluídas. "Se a religião prega compaixão, porque os textos sagrados têm tanto ódio?".
 

 
Para os especialistas, a violência do Antigo Testamento é fruto dos séculos de guerra com os assírios e os babilônios. Os autores do livro sagrado foram influenciados por essa atmosfera de ódio, e daí surgiram as histórias em que Deus se mostra bastante violento e até cruel. Os redatores da Bíblia estavam extravasando sua angústia.
Por volta do ano 200 a.C., o cânone (conjunto de livros sagrados) hebraico já estava finalizado e começou a se alastrar pelo Oriente Médio.
 
A primeira tradução completa do Antigo Testamento é dessa época. Ela foi feita a mando do rei Ptolomeu 2º em Alexandria, no Egito, grande centro cultural da época. Segundo uma lenda, essa tradução (de hebraico para grego) foi realizada por 72 sábios judeus. Por isso é conhecido como Septuaginta. Além da tradução grega, também surgiram versões do Antigo Testamento no idioma aramaico - que era uma espécie de língua franca do Oriente Médio naquela época.
 
Dois séculos mais tarde, a Bíblia em aramaico estava bombando: Ela era a mais lida na Judéia, na Samária e na Galiléia (Províncias que formam os atuais territórios de Israel e da Palestina). Foi aí que um jovem judeu, grande personagem desta história, começou a se destacar. Como Sócrates, Buda, e outros pensadores que mudaram o mundo, Jesus de Nazaré nada deixou por escrito - os primeiros textos sobre ele foram produzidos décadas após sua morte.
 

 
E o cristianismo já nasceu perseguido: Por se recusarem a cultuar os Deuses oficiais, os cristãos eram considerados subversivos pelo Império Romano, que dominava boa parte do Oriente Médio desde o século 1 a.C. Foi nesse clima de medo que os cristãos passaram a colocar no papel as histórias de Jesus, que circulavam em aramaico e também em coiné - um dialeto grego falado pelos mais pobres. "Os cristãos queriam compreender suas origens e debater seus problemas de identidade". Para fazer isso, criaram um novo gênero literário: o evengelho. Esse termo, que vem do grego evangélion ("boa nova"), é um tipo de narrativa religiosa contando os milagres, os ensinamentos e a vida do Messias.
 
A maioria dos evangelhos escritos nos séculos 1 e 2 desapareceu. Naquela época um "livro" era um amontoado de papiros avulsos, enrolados na forma de pergaminho, podendo ser facilmente extraviados e perdidos. Mas alguns evangelhos foram copiados e recopiados à mão, por membros da Igreja. Até que, por volta do século 4, tomaram o formato de códice - um conjunto de folhas de couro encadernadas, ancestral do livro moderno.
 

 
O problema é que, a essa altura do campeonato, gerações e gerações de copiadores já haviam introduzido alterações nos textos originais - seja por descuido, seja de propósito. "Muitos erros foram feitos nas cópias, erros que às vezes mudaram o sentido dos textos. Em certos casos, tais erros foram também propositais, de acordo com a teologia do escrivão", afirma o padre e teólogo Luigi Schiavo, da Universidade Católica de Goiás. Quer ver um exemplo ?
 
Sabe aquela famosa cena em que Jesus salva uma adúltera prestes a ser apedrejada ? De acordo com especialistas, esse trecho foi inserido no evangelho de João por algum escriba, por volta do século 3. Isso porque, na época, o cristianismo estava cortando seu cordão umbilical com o judaísmo. E apedrejar adúlteras é uma das leis que os sacerdotes - escritores judeus haviam colocado no Pentateuco. A introdução da cena em que Jesus salva a adúltera passa a idéia de que os ensinamentos de Cristo haviam superado a Torá - e, portanto, os cristãos já não precisavam respeitar ao pé da letra todos os ensinamentos judeus.
 
A julgar pelo último livro da Bíblia cristã o Apocalipse (que descreve o fim do mundo), o receio de ter suas narrativas "editadas" era comum entre os autores do Novo Testamento. No versículo 18 Lê - se uma terrível ameaça: "Se alguém fizer acréscimos às páginas deste livro, Deus o castigará com as pragas descritas aqui".
 

 
Essa ameaça reflete bem o clima dos primeiros séculos do cristianismo: Uma verdadeira baderna teológica, com montes de seitas defendendo ideias diferentes sobre Deus e o Messias. A seita dos docetas, por exemplo, acreditava que Jesus não teve um corpo físico. Ele seria um espírito, e sua crucificação e morte não passariam - literalmente - de ilusão de ótica. Já os ebionistas acreditavam que Jesus não nascera Filho de Deus, mas fora adotado, já adulto, pelo Senhor. A primeira tentativa de organizar esse caos das Escrituras ocorreu por volta de 142 - e o responsável não foi um clérigo, mas um rico comerciante de navios chamado Marcião.
 
A Bíblia segundo Marcião
Ele nasceu na atual Turquia, foi para Roma, converteu-se ao cristianismo, virou um teólogo influente e resolveu montar sua própria seleção de textos sagrados. A Bíblia de Marcião era bem diferente da que conhecemos hoje. Isso porque ele simpatizava com uma seita cristã hoje desaparecida, o Gnosticismo. Para os Gnósticos, o Deus doVelho Testamento não era o mesmo que enviara Jesus - na verdade, as duas divindades seriam inimigas mortais.
 

 
O Deus hebraico era monstruoso e sanguinário, e controlava apenas o mundo material. Já o universo espiritual seria dominado por um Deus bondoso, o pai de Jesus. A Bíblia editada por Marcião continha apenas o Evangelho de João, 11 cartas de Paulo e nenhuma página do Velho Testamento. Se as idéias de Marcião tivessem triunfado, hoje as histórias de Adão e Eva no Paraíso, a arca de Noé e a travessia do mar Vermelho não fariam parte da cultura ocidental. Mas, por volta de 170, o Gnosticismo foi declarado proibido pelas autoridades eclesiásticas, e o primeiro editor da Bíblia cristã acabou excomungado.
 
Roma, até então pior inimiga dos cristãos, ia se rendendo à nova fé. Em 313, o imperador romano Constantino se aliou à Religião.
 

 
Ele pretendia usar a força crescente da nova religião para fortalecer seu império. Para isso, no entanto, precisava de uma fé una e sólida. A pressão de Constantino levou os mais influentes bispos cristãos a se reunirem no Concílio de Nicéia, em 325 para colocar ordem na casa de Deus. Ali, surgiu o cânone do cristianismo - a lista oficial de livros que, segundo a Igreja, realmente haviam sido inspirados por Deus.
 
"A escolha também era política. Um grupo afirmou seu poder e autoridade sobre os outros". Esse grupo era dos cristãos apostólicos, que ganharam poder ao se aliar ao Império Romano. Os apostólicos eram, por assim dizer, "partido do governo". E por isso definiram o que iria entrar, ou ser eliminado, das Escrituras.
Eles escolheram os evengelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João para representar a biografia oficial de Cristo, enquanto as invenções dos docetas os ebionistas e de outras seitas foram excluídas, e seus autores declarados hereges. Os textos excluídos do cânone ganharam o nome de "apócrifos" - palavra que vem do Grego apocrypha, "o que foi ocultado".
 
A maioria dos apócrifos se perdeu - afinal de contas os escribas da igreja não estavam interessados em recopiá-los para a posteridade. Mas, com o surgimento da arqueologia, no século 19, pedaços desses textos foram encontrados nas areias do Oriente Médio. É o caso de um polêmico texto encontrado em 1886 no Egito. Ele é assinado por uma certa "Maria" que muitos acreditam ser a Madalena, discípula de Jesus, presente em vários trechos do Novo Testamento.
 
 
O evangelho atribuído a ela é bem feminista: Madalena é descrita como uma figura tão importante quanto Pedro e os outros apóstolos. Nos primórdios do cristianismo, as mulheres eram aceitas no clero - e eram, inclusive consideradas capazes de fazer profecias. Foi só no século 3 que o sacerdócio virou monopólio masculino, o que explicaria a censura da apóstola e seu testemunho.
 
Aliás, tudo indica que Madalena não foi prostituta - idéia que teria surgido por um erro na interpretação do livro sagrado. No ano 591, o papa Gregório fez um sermão dizendo que Madalena e outra mulher também citada nas Escrituras e essa sim ex-pecadora, na verdade seriam a mesma pessoa (em 1967 o vaticano desfez o equívoco, limpando a reputação de Maria).
 
Na evolução da Bíblia, foram aparecendo vários trexos machistas - e suspeitos. É o caso de uma passagem atribuída ao apóstolo Paulo: "A mulher aprenda (...) com toda a sujeição. Não permito à mulher que ensine, nem que tenha domínio sobre o homem (...) porque Adão foi formado primeiro, e depois Eva". É provável que Paulo jamais tenha escrito essas palavras - porque, na época em que ele viveu, o cristianismo não pregava a submissão da mulher. Acredita-se que essa parte tenha sido adicionada por algum escriba por volta do século 2.
 
Após a conversão do imperador Constantino, o eixo do cristianismo se deslocou do Oriente Médio para Roma. Só que, para completar a romanização da fé, faltava um passo: traduzir a palavra de Deus para o latim. A missão coube ao teólogo Eusebius Hyeronimus, que mais tarde viria a ser canonizado com o nome de São Jerônimo. Sob ordens do papa Damaso, ele viajou a Jerusalém em 406 para aprender hebraico e traduzir o Antigo e o Novo Testamento. Não foi nada fácil: o trabalho durou 17 anos.
 
 
Daí saiu a Vulgata, a Bíblia latina, que até hoje é o texto oficial da Igreja Católica. Essa é a Bílbia que todo mundo conhece. "A Vulgata foi o alicerce da Igreja no Ocidente.". Ela é tão influente, mas tão influente, que até seus erros de tradução se tornaram clássicos. Ao traduzir uma passagem do Êxodo que descreve o semblante do profeta Moisés, São Jerônimo escreveu em latim:cornuta esse facies sua, ou seja, "Sua face tinha chifres". Esse detalhe esquisito foi levado a sério por artistas como Michelangelo - sua famosa escultura representando Moisés, hoje exposta no Vaticano, está ornada com dois belos corninhos. Tudo porque Jerônimo tropeçou na palavra hebraica karan, que pode significar tanto "chifre" quanto "raio de luz".
 
 
A tradução correta está na Septuaginta: o profeta tinha o rosto iluminado, e não chifrudo. Apesar de erros como esse, a Vulgata reinou absoluta ao longo da Idade Média - durante séculos, não houve outras traduções.
 
O único jeito de disseminar o livro sagrado era copiá-lo à mão, tarefa realizada pelos monges copistas. Eles raramente saiam dos mosteiros e passavam a vida copiando e catalogando manuscritos antigos. Só que, às vezes também se metiam a fazer o papel de autores.
Após a queda o Império Romano, grande parte da literatura da Antiguidade Grega e Romana se perdeu - foi graças ao trabalho dos monges copistas que livros como a Ilíada e a Odisséia chegaram até nós. Mas alguns deles eram meio malandros: costumavam interpolar textos nas Escrituras Sagradas para agradar reis e imperadores. No século 15 por exemplo, monges espanhóis trocaram o termo "babilônios" por "infiéis" no texto do Antigo Testamento - um truque para atacar os muçulmanos, que disputavam com os espanhóis a posse da península Ibérica.
 
Escrituras em série
Tudo isso mudou após a invenção da imprensa, em 1455. Agora ninguém mais dependia dos copistas para multiplicar os exemplares da Bíblia. Por isso o grande foco de mudanças no texto sagrado passou a ser outro: as traduções.
 
Em 1522, o pastor Martinho Lutero usou a imprensa para divulgar em massa sua tradução da Bíblia, que tinha feito direto do hebraico e grego para o alemão.
 

 
Era a primeira vez que o texto sagrado era vertido numa língua moderna - e a nova versão trouxe várias mudanças, que provocaram a Igreja. Logo depois um britânico, William Tyndale, ousou traduzir a Bíblia para o inglês. No Novo Testamento, ele traduziu a palavra ecclesia por "congregação", em vez de "igreja", o termo preferido pelas traduções católicas. A mudança nessa palavrinha era um desafio ao poder dos papas: como era protestante, Tyndale tinha suas diferenças com a Igreja. Resultado? Ele foi queimado como herege em 1536. Mas até hoje seu trabalho é referência para as versões inglesas do livro sagrado.
 
Bíblia chegou ao nosso idioma em 1753 - quando foi publicada sua primeira tradução completa para o português, feita pelo protestante João Ferreira de Almeida. Hoje, a tradução considerada oficial é feita pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e lançada em 2001. Ela é considerada mais simples e coloquial que as traduções anteriores. De lá pra cá, a Bíblia ganhou o mundo e as línguas. Já foi vertida para mais de 300 idiomas e continua um dos livros mais influentes do mundo: todos os anos, são publicadas 11 milhões de cópias do texto integral e 14 milhões só do Novo Testamento.
 
Depois de tantos séculos de versões e contraversões, ainda não há consenso sobre a forma certa de traduzi-la. Alguns buscam traduções mais próximas do sentido e da época original - como as passagens traduzidas do hebraico pelo linguista David Rosenberg na obra O Livro de J, de 1990. Outros acham que a Bíblia deve ser modernizada para atrair leitores. O linguista Eugene Nida, que verteu a Bíblia na década de 1960, chegou ao extremo de traduzir a palavra "Sestércios" a antiga moeda romana, por "dólares". Em 2008, duas versões igualmente ousadas estão agitando as Escrituras: a Green Bible ("Bíblia Verde", ainda sem versão em português), que destaca mil passagens relacionadas à ecologia - como o momento em que Jó fala sobre os animais - , e a Bible Illuminated ("Bíblia Iluminada", em inglês) com design ultramoderno e fotos de celebridades como Nelson Mandela e Angelina Jolie.
 
Bíblia se transforma, mas uma coisa não muda: cada pessoa, ou grupo de pessoas, a interpreta de uma maneira diferente - ás vezes, com propósitos equivocados. Em pleno século 21, pastores fundamentalistas tentam proibir o ensino da Teoria da Evolução na escolas dos EUA, sendo que a própria Igreja aceita as teorias de Darwin desde a década de 1950. Líderes como o pastor Jerry Falwell defendem o retorno da escravidão e o apedrejamento de adúlteros, e no Oriente Médio rabinos extremistas usam trechos da Torá para justificar a ocupação de terras árabes. Por quê? Porque está na Bíblia, dizem os radicais. Não é nada disso. Hoje, os principais estudiosos afirmam que a Bíblia não deve ser lida como um manual de regras literais - e sim como o relato da jornada, tortuosa e cheia de percalços, do ser humano em busca de Deus.

No fim do Evangelho de Lucas, quando Jesus ressuscita ele diz aos seus seguidores que tudo que foi falado, desde as Leis de Moisés e através de todos os profetas é a mesma coisa. São ensinamentos para libertar o povo da opressão. Penso que, não somente da opressão de um governante, mas sim da opressão do nosso próprio ego, que acredita ser maior e melhor que outros. Também, nesta simples frase da conclusão Lc24:45 “Então Jesus abriu a mente deles para entenderem as Escrituras.” Lucas confirma pela enésima vez que não devemos nos ater as palavras escritas, mas sim, buscar o significado mais profundo por trás delas. Toda obra possui um conceito que unifica todas as suas partes. Do mesmo modo, as mais de mil páginas da bíblia não tratam de muitas histórias distintas, mas sim, passam a mesma mensagem de muitos modos diferentes, para que a pessoa, de um modo ou de outro, consiga entender. Como se fossem inúmeras chaves para abrir a mesma porta, ou vários caminhos que levam ao mesmo destino.

O impressionante de toda a Bíblia é que esta afirma continuamente que Jesus não morre, mas sim ressuscita em carne e osso. «Por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que está vivo? Lc 24:5 Do mesmo modo como sempre afirma que o reino dos céus não é para os mortos, mas para os vivos. Ou seja, encontrar o Pai, buscar a palavra que é a luz e a qual as trevas não podem apagar.

 1 No começo a Palavra já existia:
a Palavra estava voltada para Deus, e a Palavra era Deus.
2 No começo ela estava voltada para Deus.
3 Tudo foi feito por meio dela, e, de tudo o que existe, nada foi feito sem ela.
4 Nela estava a vida, e a vida era a luz dos homens.
5 Essa luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram apagá-la.
Jo 1:1-5

Jesus foi um revolucionário que falava de auto conhecimento, igualdade, liberdade e fraternidade. E sobretudo lutava contra as instituições (fariseus e saduceus) que queriam monopolizar a interpretação da palavra de Deus, utilizando-a como instrumento de dominação das massas e para enriquecimento e proveito próprio.

Engraçado que tudo é tão atual ainda hoje, a Igreja Católica e as instituições religiosas se apoderaram da palavra de Deus, e da verdade que Jesus pregava, como se fossem as únicas capazes de interpretá-la. No entanto, ao invés de guiarem a humanidade à iluminação e à descoberta do que é realmente a palavra de Deus, estas utilizam os textos sagrados em modo literal para dominarem os crentes. Os quais, em sua ignorância, por ignorarem os reais ensinamentos, nunca chegarão a ter conhecimento da verdade, a menos que venham a ler os textos e sejam capazes de interpretá-lo.

Deste modo, a partir da criação do pecado, da personificação de Deus e da institucionalização da palavra, ditam o que é certo e errado. Proferindo discursos que não promovem a paz ou o acolhimento dos marginalizados, mas sim, disseminando a intolerância e alienação. Ou seja, tudo aquilo que Jesus lutou contra.

 

Recentemente uma Bíblia de mais de 1500 anos foi descoberta na Turquia e causa preocupação ao Vaticano. Isso porque a tal bíblia contém o evangelho de Barnabé, que teria sido um dos discípulos de Cristo que viajava com  o apóstolo Paulo e descreve Jesus de maneira semelhante à pregada pela religião islâmica.



O livro teria sido descoberto no ano 2000, e foi mantido em segredo na cidade de Antara. O livro, feito em couro tratado e escrito em um dialeto do aramaico, língua falada por Jesus, tem as páginas negras, por causa da ação do tempo. De acordo com as notícias; peritos avaliaram o livro e garantiram que o artefato é original.
Autoridades religiosas de Teerã insistem que o texto prova que Jesus nunca foi crucificado, não era o Filho de Deus, mas um profeta, e chama Paulo de “Enganador.” O livro também diz que Jesus ascendeu vivo ao céu, sem ter sido crucificado, e que Judas Iscariotes teria sido crucificado em seu lugar. Falaria ainda sobre o anúncio feito por Jesus da vinda do profeta Maomé, que fundaria o Islamismo 700 anos depois de Cristo. O texto prevê ainda a vinda do último messias islâmico, que ainda não aconteceu.


O Vaticano teria demonstrado preocupação com a descoberta do livro, e pediu às autoridades turcas que permitissem aos especialistas da Igreja Católica avaliar o livro e seu conteúdo.

Acredita-se que a igreja Católica durante o Concílio da Nicéia tenha feito a seleção dos Evangelhos que fariam parte da Bíblia, suprimindo alguns, dentre deles possivelmente o Evangelho de Barnabé. Há ainda a crença de que existiram muitos outros evangelhos, conhecidos como Evangelhos do Mar morto.
 
 

 Me parece um completo paradoxo

 

Capitulo 12